terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A Natureza da Liberdade



No outro dia, falávamos sobre a ação livre de idéia,
uma vez que o pensamento é uma resposta da memória;

o pensamento é sempre limitado, condicionado pelo passado e , por isso, jamais levará à liberdade.
Acho muito importante compreender esse fato.

Se não compreendermos, por inteiro, o processo de autodefesa do pensamento,

não poderá haver liberdade psicológica.

E liberdade (que não é uma reação à não-liberdade, nem o oposto disso) é essencial,

pois só em liberdade podemos descobrir a verdade.

Só quando a mente está de todo livre é que pode perceber o verdadeiro.
A verdade não é uma coisa contínua, que se possa manter mediante prática ou disciplina,

mas algo que se percebe num lampejo.

A percepção da verdade não surge através de qualquer forma do pensamento condicionado,

razão pela qual o pensamento não pode imaginar, conceber nem formular o que seja a verdade.
Para se entender, plenamente, o que é a verdade, tem de haver liberdade.

Para a maioria de nós, liberdade é apenas uma palavra, uma reação ou uma idéia

que serve de fuga à nossa escravidão, ao nosso sofrimento, à rotina entediante do dia-a-dia;

mas isso, absolutamente, não é liberdade.

A liberdade não vem através da busca, porque não podemos buscar a liberdade e tampouco procurá-la.

A liberdade só vem quando compreendemos todo o processo da mente que cria suas próprias barreiras, limitações e projeções, a partir de uma base de experiência condicionada e condicionante.
Para uma mente de fato religiosa, é importantíssimo compreender aquilo que transcende a palavra,

que transcende o pensamento e toda experiência.

E, para compreender isso, para estar com o que se acha além de toda experiência,

para perceber isso profundamente e num lampejo, a mente deve estar livre.

Idéia, conceito, padrão, opinião, julgamento ou qualquer disciplina organizada impedem a liberdade da mente.

Essa liberdade traz a sua própria disciplina – não a disciplina da submissão, da repressão ou do ajustamento,

mas a disciplina que não é produto do pensamento, que não tem motivo.
Seguramente que, num mundo confuso, com tanto conflito e miséria,

é mais do que urgente entender que a liberdade é o primeiro requisito da mente humana,

não o conforto, nem o fugaz momento de prazer, nem a continuidade desse prazer,

mas uma liberdade total, que é a única origem da felicidade.

A felicidade não é um fio em si mesma; como a virtude. É um subproduto da liberdade.

Uma pessoa livre é virtuosa;

mas o homem que pratica a virtude, submetendo-se a um padrão estabelecido pela sociedade,

jamais saberá o que é liberdade e, por isso, jamais será virtuoso.
Gostaria de falar sobre a natureza da liberdade e ver se podemos, juntos, encontrar tateando o caminho para ela;

mas não sei como escutam o que estamos dizendo.

Escutam apenas as palavras? Escutam para compreender, para experimentar?

Se escutam em qualquer desses dois sentidos, nesse caso muito pouco valor terá o que se está dizendo.

O importante é escutar, não as palavras, nem com a esperança de experimentar essa coisa extraordinária que é a liberdade, mas escutar sem esforço, sem luta, serenamente. Isso, contudo, exige atenção.

Por atenção, quero dizer estarmos totalmente empenhados nisso, com a mente e o coração.

Se ouvirem desse jeito, descobrirão por si próprios que não podemos ir em busca de tal liberdade,

que ela não provém do pensamento, nem de exigências emocionais ou histéricas.

A liberdade surge, sem que precisem procurá-la, quando há total atenção.

Atenção total é o estado da mente que não tem limites nem fronteiras e que, portanto,

é capaz de captar cada impressão, de ver e ouvir tudo.

E isso podemos fazer; não é coisa tão difícil assim.

Torna-se difícil unicamente porque estamos presos a hábitos e isso é uma das coisas de que gostaria de falar.
Cremos poder escapar da inveja gradualmente e fazemos esforço para nos livrar dela aos poucos

e, assim, acabamos introduzindo a idéia de tempo.

Dizemos: “Tentarei livrar-me da inveja amanhã ou um pouco mais adiante”;

entrementes, porém, continuamos invejosos.

As expressões tentar e entrementes são a própria essência do tempo e, quando introduzem o fator tempo,

não conseguem libertar-se do hábito.

Ou rompem com o hábito de uma vez por todas, ou ele continua embotando a mente e criando novos hábitos.
Mas será possível a mente livrar-se, por completo, dessa idéia de atingir alguma coisa gradualmente transcender algo, ficar livre gradualmente?

Para mim, liberdade não é uma questão de tempo –

não existe nenhum amanhã, no qual se possa ficar livre da inveja ou adquirir uma virtude.

E, não havendo amanhã, não há medo.

Só existe o pleno viver no agora; o tempo cessou de todo e, desse modo, acaba a formação de hábitos.

Com a palavra agora, refiro-me ao que é instantâneo,

que não é reação ao passado nem uma forma de evitar o futuro.

Há tão-somente um momento de atenção total; toda atenção, nesse momento, está aqui, no agora.

Certamente que toda existência está no agora;

quer sintam uma enorme alegria, quer experimentem profundo sofrimento, ou seja o que for,

só no presente é que isso acontece.

Através da memória, no entanto, a mente acumula a experiência do passado e a projeta no futuro.
Se não estivermos livres do passado, não haverá liberdade, pois a mente nunca é nova, fresca, inocente.

Só a mente fresca e inocente é livre.

Liberdade nada tem que ver com idade, com experiência.

A mim me parece que a essência mesma da liberdade está no compreender o mecanismo do hábito,

tanto consciente como inconsciente.

Não é uma questão de por fim ao hábito, mas de ver toda a estrutura do hábito.

Temos de observar como formam os hábitos e como, por rejeitar um hábito ou resistir a ele,

criamos outro hábito.

O que importa é estarem inteiramente cônscios do hábito;

nesse momento é que poderão ver, por si mesmos, que findou o processo de formação de hábitos.

Resistir ao hábito, lutar contra ele ou rejeitá-lo só dá continuidade ao hábito.

Quando lutam contra o hábito, dão vida a ele e, então, apenas atentos à estrutura do hábito como um todo,

sem resistência, descobrirão estarem livres do hábito e, nessa liberdade, ocorre algo novo.

Krishnamurti - do livro: Sobre a Liberdade

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