o pensamento é sempre limitado, condicionado pelo passado e , por isso, jamais levará à liberdade.
Acho muito importante compreender esse fato.
Se não compreendermos, por inteiro, o processo de autodefesa do pensamento,
não poderá haver liberdade psicológica.
E liberdade (que não é uma reação à não-liberdade, nem o oposto disso) é essencial,
pois só em liberdade podemos descobrir a verdade.
Só quando a mente está de todo livre é que pode perceber o verdadeiro.
A verdade não é uma coisa contínua, que se possa manter mediante prática ou disciplina,
mas algo que se percebe num lampejo.
A percepção da verdade não surge através de qualquer forma do pensamento condicionado,
razão pela qual o pensamento não pode imaginar, conceber nem formular o que seja a verdade.
Para se entender, plenamente, o que é a verdade, tem de haver liberdade.
Para a maioria de nós, liberdade é apenas uma palavra, uma reação ou uma idéia
que serve de fuga à nossa escravidão, ao nosso sofrimento, à rotina entediante do dia-a-dia;
mas isso, absolutamente, não é liberdade.
A liberdade não vem através da busca, porque não podemos buscar a liberdade e tampouco procurá-la.
A liberdade só vem quando compreendemos todo o processo da mente que cria suas próprias barreiras, limitações e projeções, a partir de uma base de experiência condicionada e condicionante.
Para uma mente de fato religiosa, é importantíssimo compreender aquilo que transcende a palavra,
que transcende o pensamento e toda experiência.
E, para compreender isso, para estar com o que se acha além de toda experiência,
para perceber isso profundamente e num lampejo, a mente deve estar livre.
Idéia, conceito, padrão, opinião, julgamento ou qualquer disciplina organizada impedem a liberdade da mente.
Essa liberdade traz a sua própria disciplina – não a disciplina da submissão, da repressão ou do ajustamento,
mas a disciplina que não é produto do pensamento, que não tem motivo.
Seguramente que, num mundo confuso, com tanto conflito e miséria,
é mais do que urgente entender que a liberdade é o primeiro requisito da mente humana,
não o conforto, nem o fugaz momento de prazer, nem a continuidade desse prazer,
mas uma liberdade total, que é a única origem da felicidade.
A felicidade não é um fio em si mesma; como a virtude. É um subproduto da liberdade.
Uma pessoa livre é virtuosa;
mas o homem que pratica a virtude, submetendo-se a um padrão estabelecido pela sociedade,
jamais saberá o que é liberdade e, por isso, jamais será virtuoso.
Gostaria de falar sobre a natureza da liberdade e ver se podemos, juntos, encontrar tateando o caminho para ela;
mas não sei como escutam o que estamos dizendo.
Escutam apenas as palavras? Escutam para compreender, para experimentar?
Se escutam em qualquer desses dois sentidos, nesse caso muito pouco valor terá o que se está dizendo.
O importante é escutar, não as palavras, nem com a esperança de experimentar essa coisa extraordinária que é a liberdade, mas escutar sem esforço, sem luta, serenamente. Isso, contudo, exige atenção.
Por atenção, quero dizer estarmos totalmente empenhados nisso, com a mente e o coração.
Se ouvirem desse jeito, descobrirão por si próprios que não podemos ir em busca de tal liberdade,
que ela não provém do pensamento, nem de exigências emocionais ou histéricas.
A liberdade surge, sem que precisem procurá-la, quando há total atenção.
Atenção total é o estado da mente que não tem limites nem fronteiras e que, portanto,
é capaz de captar cada impressão, de ver e ouvir tudo.
E isso podemos fazer; não é coisa tão difícil assim.
Torna-se difícil unicamente porque estamos presos a hábitos e isso é uma das coisas de que gostaria de falar.
Cremos poder escapar da inveja gradualmente e fazemos esforço para nos livrar dela aos poucos
e, assim, acabamos introduzindo a idéia de tempo.
Dizemos: “Tentarei livrar-me da inveja amanhã ou um pouco mais adiante”;
entrementes, porém, continuamos invejosos.
As expressões tentar e entrementes são a própria essência do tempo e, quando introduzem o fator tempo,
não conseguem libertar-se do hábito.
Ou rompem com o hábito de uma vez por todas, ou ele continua embotando a mente e criando novos hábitos.
Mas será possível a mente livrar-se, por completo, dessa idéia de atingir alguma coisa gradualmente transcender algo, ficar livre gradualmente?
Para mim, liberdade não é uma questão de tempo –
não existe nenhum amanhã, no qual se possa ficar livre da inveja ou adquirir uma virtude.
E, não havendo amanhã, não há medo.
Só existe o pleno viver no agora; o tempo cessou de todo e, desse modo, acaba a formação de hábitos.
Com a palavra agora, refiro-me ao que é instantâneo,
que não é reação ao passado nem uma forma de evitar o futuro.
Há tão-somente um momento de atenção total; toda atenção, nesse momento, está aqui, no agora.
Certamente que toda existência está no agora;
quer sintam uma enorme alegria, quer experimentem profundo sofrimento, ou seja o que for,
só no presente é que isso acontece.
Através da memória, no entanto, a mente acumula a experiência do passado e a projeta no futuro.
Se não estivermos livres do passado, não haverá liberdade, pois a mente nunca é nova, fresca, inocente.
Só a mente fresca e inocente é livre.
Liberdade nada tem que ver com idade, com experiência.
A mim me parece que a essência mesma da liberdade está no compreender o mecanismo do hábito,
tanto consciente como inconsciente.
Não é uma questão de por fim ao hábito, mas de ver toda a estrutura do hábito.
Temos de observar como formam os hábitos e como, por rejeitar um hábito ou resistir a ele,
criamos outro hábito.
O que importa é estarem inteiramente cônscios do hábito;
nesse momento é que poderão ver, por si mesmos, que findou o processo de formação de hábitos.
Resistir ao hábito, lutar contra ele ou rejeitá-lo só dá continuidade ao hábito.
Quando lutam contra o hábito, dão vida a ele e, então, apenas atentos à estrutura do hábito como um todo,
sem resistência, descobrirão estarem livres do hábito e, nessa liberdade, ocorre algo novo.
Krishnamurti - do livro: Sobre a Liberdade
Nenhum comentário:
Postar um comentário